O MITO DA CAVERNA CORPORATIVA

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Você conhece o Mito da Caverna de Platão**? Pois bem, não faz muito tempo, o americano David Kelley, um dos maiores consultores de Inovação, deu uma entrevista para a revista Exame, onde falou que as empresas vivem dentro da caverna do mito de Platão. Os executivos passam horas em frente a um computador e falam com as mesmas pessoas. Eles só veem sombras, não a realidade. Em vez de ir a mais uma reunião, deveriam estar na rua com quem usa o produto ou serviço que oferecem.

O grifo é meu. Kelley aborda uma situação que, com frequência, encontramos nas empresas… Os colegas consultores certamente farão coro comigo. Em meus trabalhos de consultoria estratégica de marketing, em que atuo especificamente no alinhamento da organização ao mercado, é muito comum ouvir gestores e empreendedores falando, com toda segurança, sobre o que os seus clientes desejam ou sobre como o mercado se comporta, muitas vezes baseados unicamente em seu feeling ou em relatórios que recebem pelo computador. Grande parte deles dedica pouquíssimo tempo a incursões no campo, a conversar com clientes no ponto de venda (no caso de varejo) ou a visitá-los em suas empresas (no B2B).

Não os culpo por isso. Vejo executivos assoberbados de trabalho, dedicando até 16 horas por dia à empresa e empreendedores sem férias por longos períodos, sacrificando até os finais de semana pelo negócio. Com certeza, todos adorariam ter mais tempo para gastar com seus clientes, saber mais sobre eles. O jeito é confiar nas pesquisas que recebem ou no que a sua equipe de vendas fala. O resultado é fácil de deduzir: vai da perda de oportunidades de crescimento, até um desalinhamento enorme entre o direcionamento estratégico que a empresa toma e o que o mercado pede.

Isto me faz lembrar o dono de uma rede de pet shop que me contratou, certa vez, para um trabalho de consultoria. Na primeira reunião que tivemos, ele fez questão de, antes de qualquer coisa, me mostrar a principal loja da rede. Era muito cedo e a loja ainda estava fechada – os funcionários estavam organizando tudo. Muito orgulhoso, ele chamou a minha atenção para o chão da loja: Veja este chão, Sueli! Você não vai encontrar nenhuma outra pet shop na cidade em que o chão brilhe tanto! Eu mando encerar e lustrar todos os dias…

Sem a intenção declarada de arrefecer o brilho nos olhos do empreendedor (que não era reflexo do chão…), não contive a pergunta: E seu cliente dá valor a isso?! Sem titubear, ele respondeu: Claro! Qual cliente não gosta de entrar numa loja tão limpa, que o chão até brilha?!… Para encurtar a história (pois você já deve estar adivinhando o final), no mapeamento de “valores percebidos” que fiz com uma amostra de clientes da loja, não houve uma viva alma, sequer, que tivesse mencionado o bendito chão brilhante. O valor “limpeza” para os clientes era percebido em outros itens (alguns, claro, negligenciados pelo dono e funcionários). Pior: houve cliente dizendo que, às vezes, quando estava passeando com o seu cão, não entrava na loja de medo que o animal sujasse o chão… era tão limpo!… Ou seja: o investimento em “homem-hora-cera” que o empreendedor estava fazendo, todos os dias, não só não estava trazendo o devido retorno, como ainda podia estar afastando clientes da loja!

Situação típica de quem toma decisões atrás da mesa – ou “do computador”, como disse David Kelley.

Quando me vi apaixonada pelo Marketing, no começo de carreira, e percebi que Marketing é gente e que, antes de entender de marca, de produto, de estratégia, eu precisava compreender melhor o universo das pessoas que fazem os negócios acontecerem, para obter sucesso, vi logo que a minha vida seria “na estrada”. Já andei por esse Brasil afora visitando e ouvindo muitos clientes dos meus clientes… Na bagagem de volta, sempre trago algumas impressões e expectativas que os líderes e gestores que me contrataram como consultora jamais esperariam que seu público-alvo tivesse…

Como Kelley disse, mencionando o mito da caverna de Platão, muitos executivos e empresários só veem as sombras porque não ousam sair da caverna. Um só dia de “campo”, vivenciando o universo do seu cliente, vale por muitos meses de relatórios e reuniões internas. Há percepções que só no tête-à-tête são captadas. Percepções essas que fazem toda diferença a uma estratégia bem-sucedida. Propicia que as visões interna e externa da empresa sejam ajustadas.

Quanto do seu tempo você, efetivamente, está dedicando a estar com o seu cliente? Deixe seu comentário.

 

** Para quem não conhece o Mito da Caverna e ficou curioso(a): essa alegoria foi escrita por Platão e encontra-se na obra “A República”.  O filósofo grego fala que seres que nasceram e viveram na caverna, ficam de costas para a entrada, acorrentados, sem poder mover-se, forçados a olhar somente a parede do fundo da caverna, onde, por uma fresta de luz, são projetadas sombras de outros homens. Os prisioneiros julgam que essas sombras sejam a realidade.  Mas, um dos prisioneiros se liberta e descobre que as sombras eram feitas por homens como eles, e descobre também todo o mundo e a natureza. Fonte: Wikipédia.

 

 

 

9 Comentários
  • glauci
    julho 16, 2014

    Su, trabalho numa empresa a 22 anos e não conheço a voz do presidente..kkk
    Há uma diferença de classes que os “mais nobres” fazem questão de deixar claro.
    Se os donos não conhecem nem seus funcionário, deixa pra lá.
    Temos departamentos aqui que fazem questão de não se misturarem.
    Sair as ruas?? é brincadeira.
    Vc já viu um programa americano em que o chefe trabalha uma semana com seus funcionários…nem isso aqui no Brasil daria certo amiga..
    O brasileiro é arrogante, prepotente.
    beijoss

    • Sueli Rodrigues
      julho 17, 2014

      Infelizmente, essa realidade que você vive é a realidade de muitos! Por isso, penso que o nosso papel, como Consultores, é o de alertar os gestores quanto a esses problemas. Quando os negócios não vou bem, os gestores sempre procuram as causa no mercado, fora da empresa – quando, na verdade, começam dentro da empresa. Obrigada pelo seu retorno, Glauci!

  • Alexandre Costa
    julho 16, 2014

    Olá Sueli, parabéns pelo artigo! Concordo plenamente e vem ao encontro do que acabamos de vivenciar com a vitória da Alemanha, pois eles vieram, encontraram o melhor local para construir seu CT, contrataram pessoas da comunidade, relacionaram-se até com os Pataxós, ou seja, realmente saíram de trás da mesa (ou do computador), será que tudo isto fez diferença no resultado ? Aposto que sim ! Abraços e obrigado por compartilhar suas ideias e experiências !

    • Sueli Rodrigues
      julho 17, 2014

      Perfeita analogia você fez, Alexandre! Não é à toa que eles conquistaram a nossa simpatia… Obrigada pelo seu comentário.

  • Luiz Wanderley B. Pace
    julho 17, 2014

    Sueli, Parabéns pelo artigo!

    Realmente o mesmo nos leva a reflexão do que o cliente valoriza; daquilo que necessita e vê como importante.

    Os melhores resultados nos meus projetos, sempre são obtidos quando estou literalmente na frente do cliente (interno ou externo). Faz toda a diferença!

    Abraços,

    Luiz W. Pace

    • Sueli Rodrigues
      julho 17, 2014

      Só quem vivencia o mercado sabe a riqueza que isto representa! Obrigada pelo comentário, Luiz.

  • Marcelo Brandão
    julho 17, 2014

    Parabéns Sueli, mas uma vez feliz e pontual em suas abordagens.

  • Miriam Cristine Forti
    julho 18, 2014

    Eu ainda complemento: os executivos deviam estar também com os funcionários que são os responsáveis pela venda dos produtos e serviços que a empresa oferece.
    Como você disse, marketing é gente, e gente é relacionamento. São os seus funcionários que, na ponta, estarão se relacionando com os clientes, e realizando os negócios, e precisam ter estrutura e suporte pra isso. Os executivos precisam conhecer também essa realidade.

  • Rosa Benatti
    julho 18, 2014

    Sueli, excelente artigo. Parabéns pela abordagem tão profunda e importante.

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